terça-feira, 23 de novembro de 2010

Infecção: a ameaça invisível

A maioria dos vírus e bactérias não representa perigo à saúde, mas é preciso conhecer mais sobre eles para ficar livre das complicações que a minoria pode provocar

Infecção é uma das últimas palavras que o paciente quer ouvir de seu médico em meio a algum tratamento clínico. Tal desconforto é justificável. As consequências do quadro vão de inofensivos sintomas ao óbito do paciente.

Seres imperceptíveis a olho nu e que invadem o corpo humano sem fazer alarde são os causadores do problema. Esse grupo é composto por vírus, fungos, protozoários e bactérias, agentes que estão por todos os lados. A convivência com eles, geralmente, é pacífica e a troca de benefícios, mútua. Porém, uma pequena parcela pode ser bastante nociva à saúde humana.

“Cada ser microscópio possui um mecanismo específico para causar doenças. Da mesma forma, cada pessoa reagirá de um jeito particular ao seu ataque”, explica Luis Fernando Aranha Camargo, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Tudo nessa equação é tão variável quanto complexo: o resultado dependerá das características do invasor, do hospedeiro e da maneira como a infecção ocorre.

O simples contato com esses agentes não é suficiente para dar início a uma ação infecciosa. Ela só ocorre quando a pessoa é atacada por micro-organismos patogênicos. Felizmente, apenas uma pequena proporção pertence a esse grupo.

Perigosa e complexa
A quantidade de invasores também está envolvida na complexidade do quadro. “A exposição a um número reduzido de agentes infecciosos é normalmente inofensiva para a saúde”, explica Sylvia Cardoso Leão, professora associada do departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Pelo lado do hospedeiro, fatores genéticos determinam sua suscetibilidade ao ataque. O estado nutricional é importante para a eficácia da resposta imune, enquanto a existência de doenças associadas, como diabetes, insuficiência renal e hepática, podem dificultar o tratamento”, completa Sylvia.

As infecções que ocorrem na infância são diferentes das que são desenvolvidas na idade adulta e na velhice e variam de acordo com o gênero do paciente. Além de todos esses fatores, o acesso a saneamento básico, a região geográfica e as estações do ano também influenciam nessa batalha microscópica. “Quando um organismo vence nossas defesas, o resultado é o surgimento de doenças. Cada infecção é particular e pode resultar em uma recuperação completa, ocorrência de lesões temporárias, permanentes ou culminar com a morte do indivíduo afetado”, completa Camargo.

Cada agente tem recursos próprios para vencer algumas das defesas naturais do ser humano e se multiplicar em seus tecidos

Barreiras externas
As defesas do corpo, portanto, têm um papel fundamental para livrar o homem dos prejuízos à saúde que os inimigos invisíveis podem provocar. A pele é a primeira barreira. Assim, uma lesão no tecido pode se tornar uma porta de entrada para o agente, possibilitando que ele alcance a corrente sanguínea, de onde terá acesso a diversos órgãos e tecidos. Uma vez instalado em alguma região propícia para seu desenvolvimento e reprodução, ele gera manifestações mínimas ou extremamente graves. “É por esse processo que as bactérias do gênero estafilococos, que vivem na pele sem causar nenhum tipo de problema à nossa saúde, podem provocar doenças das vias urinárias, por exemplo”, revela Camargo.

Já as mucosas do aparelho respiratório, digestório e geniturinário produzem muco, uma substância que bloqueia e retém micro-organismos para serem posteriormente eliminados pela urina e pelas fezes. As secreções, como a lágrima, a saliva e o suor, são outros mecanismos naturais de comprovada atividade antimicrobiana. “Mas cada agente tem recursos próprios para vencer algumas das defesas naturais do ser humano e se multiplicar em seus tecidos”, pondera Sylvia.

Imunidade à prova
Uma vez que esses seres conseguem entrar no organismo, entra em ação outra linha de defesa da saúde humana: o sistema imunológico. “Existe a resposta imune inata, na qual algumas células, os fagócitos, são ativadas para destruir um agente mais resistente. Elas vão ao local onde está ocorrendo a infecção para combater o avanço dos micro-organismos ou destruí-los”, explica Sylvia. Esse sistema de proteção ocorre pela liberação de substâncias vasoativas pelas células afetadas, reação orgânica de combate aos micro-organismos identificados como estranhos. Durante esse processo, pode haver também inflamação, que é caracterizada por aumento de temperatura, inchaço, vermelhidão e dor no local.

Luta diária contra os invasores
Veja quais são as principais formas, que estão ao seu alcance, para prevenir futuras infecções:

Saneamento básico: use somente água tratada e observe se seu sistema de esgoto está isolado e em bom funcionamento. Cuide para que o lixo seja devidamente armazenado e coletado pelo órgão competente.

Atividades de educação: aprenda mais e estimule pessoas próximas a você a conhecer melhor sobre os modos de contágio de infecções.

Higiene corporal: essa medida diminui o contato com microorganismos patogênicos. Orientações como a lavagem de mãos devem ser sempre reforçadas.

Boa nutrição: o sistema imune saudável depende diretamente de uma dieta equilibrada rica em frutas e verduras frescas. Ser mais saudável: evite o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e pare de fumar. Esses hábitos interferem nas defesas do corpo.

Procure relaxar: o estresse é um dos fatores que afetam o bom funcionamento do sistema imune. Descanse bem e mantenha hobbies.

Conheça os lugares que visitar: pesquise se não houve nenhum surto ou casos de doenças antes de viajar ou se aventurar em um local pouco habitado ou urbanizado.
Se o organismo entender que essa primeira etapa não foi efetiva, é ativada uma resposta mais complexa e adaptativa. O linfócitos B são estimulados a produzir anticorpos que reconhecem o micro-organismo estranho e desencadeiam uma série de ações para matá-lo. Já a resposta imune do tipo celular depende da ativação de células especializadas, os linfócitos T, que irão reconhecer antígenos presentes nos invasores e provocar outra série de ataques contra o patógeno. Os linfócitos T podem até destruir as células infectadas, cenário possível em um caso de infecção viral. Esses dois tipos de respostas podem agir de modo conjunto para aumentar a eficiência da defesa. “Mas nem todos os agentes são controlados pelo sistema imunológico”, conta Carlos Pelleschi Taborda, professor associado do departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Se a resposta imune for eficiente, essas células armazenam a informação de como combater aquele agente em caso de uma nova invasão. É esse o conceito de uma vacina. A imunização de um indivíduo consiste no desenvolvimento de uma reposta imune estimulada pelas partes dos microorganismos, protegendo a pessoa em caso de contato com o agente vivo.

Seres em mutação
Não bastasse toda a complexidade envolvida na batalha homem versus microorganismos, os indesejados inquilinos passam por processos de mutação. Ao mudar sua expressão, eles se tornam resistentes às respostas do sistema imune e de remédios. “Este é um problema do nosso tempo”, aponta Sylvia. O uso indiscriminado de medicamentos tem um papel importante na seleção dos agentes mais resistentes. “Ao abusar de um remédio ou ao utilizá-lo sem supervisão médica, um indivíduo mata os agentes suscetíveis à fórmula do fármaco, porém seleciona os resistentes que permanecem vivos, se multiplicam até se tornarem o grupo majoritário”, alerta Taborda.

Vida sem infecção
É praticamente impossível imaginar a humanidade livre dessa ameaça. Os microorganismos são muito numerosos e têm uma capacidade muito rápida de adaptação a mudanças no ambiente. “Ao estudar as infecções ao longo da história, a interação entre seres microscópicos e o homem vaise estabilizando de modo que em muitos casos deixam de ser mortais e passam a ser mais brandos ou crônicos”, diz Sylvia. No entanto, a população que sobrevive é geneticamente mais apta para se defender.

Ivan Alves/Viva Saude